quarta-feira, 24 de julho de 2019

Desafio literário de Maio


Atraído pelo silêncio, entrei no beco como quem sobe num navio iluminado. Modesto Carone

O livro do mês de Maio foi o belíssimo Hora de alimentar serpentes, da autora Marina Colasanti. E iniciar o meu texto com esse trecho do Carone é descrever exatamente como entrei na obra de Colasanti: atraída pelos textos curtos, pela necessidade de leitura e pelo deslumbre das palavras. E é claro que terminei sentada no chão, intoxica pelo perfume das microficções dessa mulher sensacional.
O livro é uma montanha russa. Hora você se vê no alto, compreendendo as letras, participando ativamente da obra, e então, de repente, você está em queda livre, vertiginosa, mergulhando no mais profundo de si e da obra, e o que fica é o grito estrangulado na garganta.
A obra é composta de 206 narrativas – eu poderia dizer contos, mas a ficção da Colasanti traz os gêneros textuais em linhas muito tênues –, com a presença das maiores características das obras da autora, como brevidade e concisão, final surpreendente e implícito, intertextualidade, humor e muitas elipses linguísticas.
Esse livro riquíssimo foi a leitura exigida no primeiro exame de qualificação da UERJ de 2019, dessa forma a leitura foi inicialmente “obrigatória”, já que eu deveria ler para trabalhar em sala com os alunos. Mas qual não foi a minha surpresa em perceber que o livro me pertencia até a última palavra, cada texto me levava ao extremo e exigia, às vezes, duas ou três leituras da mesma história.
Uma obra que valeu a pena cada leitura e que, o que pude observar enquanto trabalhava com meus alunos, divide gostos. Alguns alunos não sabiam como desgrudar do livro e outros só queriam manter distância dele. O que todos tentávamos entender durante a leitura é como um livro tão escamoso pode se embrenhar em nós e ainda colocar ovos.
Seguem dois textos para vocês ficarem com vontade de correr para a livraria e adquirir um exemplar:

DIA CHEGARIA
Hora de alimentar as serpentes que habitavam sua cabeça.
Concentrou o pensamento em pequenas criaturas vivas, rã, passarinho. Um gosto de sangue chegou-lhe à boca, e o mover-se do novelo sibilante, que apenas intuía, aquietou-se. Sua segurança estava garantida por mais algum tempo. Dia chegaria, entretanto, em que suas inquilinas haveriam de por ovos.


É VOCÊ?
É você? pergunta a mulher em voz alta ao ouvir o marido entrando em casa.
Mas ele, que há anos se procura, não tem hoje resposta segura para lhe dar. Sai devagar, fecha a porta com cuidado. Voltará de madrugada, quando ela, dormindo, não o confrontar com a pergunta.

Hoje não tem vídeo, não consegui gravar sobre essa obra, ela merece apenas as palavras escritas, pois é aqui que conseguimos lapida-las melhor.

Vanessa Reis



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